A dissertação de mestrado de Milena resultou numa obra de qualidade, com prefácio escrito por Sami Storch (leia abaixo o prefácio na íntegra).
Durante seus estudos, Milena esteve na comarca de Amargosa pesquisando “in loco” os resultados da prática pioneira das constelações na Vara Criminal e de Infância e Juventude.
O livro, entretanto, não trata apenas do uso da constelação familiar e de aspectos do direito sistêmico relativos à justiça criminal; faz, também, uma análise dos conflitos à luz da ciência dos relacionamentos descoberta por Bert Hellinger, trazendo ao campo acadêmico um estudo de qualidade acerca das bases científicas do direito sistêmico, tais como a teoria dos campos mórficos, a transgeracionalidade de padrões e conflitos, a teoria sistêmica e a relação desses conhecimentos com a evolução da Justiça Criminal desde a tradição retributiva até o novo paradigma restaurativo e sistêmico.
Recomendo a leitura!
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PREFÁCIO
É com satisfação que, a convite da autora Milena Patrícia da Silva, tenho a oportunidade de prefaciar esta obra, fruto de sua dissertação de mestrado, denominada A TERAPIA DA CONSTELAÇÃO SISTÊMICA COMO FERRAMENTA CAPAZ DE AUXILIAR NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NA ÁREA PENAL.
Dentre os trabalhos acadêmicos que vêm sendo escritos a respeito do direito sistêmico e das constelações familiares na Justiça, o de Milena se destaca por ser um dos primeiros em nível de mestrado, com uma profundidade correspondente, e pelo enfoque dado à área penal, em um momento em que a maior quantidade de práticas e estudos envolvendo o direito sistêmico recai sobre as questões afetas ao direito de família e às técnicas de mediação.
Entretanto, o que despertou meu interesse nesta obra foi a seriedade, a determinação e o afinco com que a autora realizou sua pesquisa, não se contentando em escrever somente com base em pesquisas pela internet ou a partir de fontes secundárias. Milena foi a primeira pesquisadora a visitar in loco, ainda no ano de 2015, a comarca onde desde o ano anterior eram realizadas de forma pioneira as primeiras vivências de constelações familiares no âmbito da Justiça Criminal, a fim de colher dados empíricos para uma pesquisa científica na área jurídica – na época, a monografia que viria a ser apresentada por ela como TCC da graduação em direito.
Com efeito, a cidade de Amargosa, situada no Vale do Jiquiriçá, a 240 km (cerca de quatro horas de viagem de carro) de Salvador, teve a honra de receber Milena durante uma semana, quando dedicou-se a entrevistar servidores da Justiça e famílias que tiveram suas vidas marcadas pelo envolvimento de membros, como autores ou vítimas, com algum tipo de crime ou ato infracional, e que participaram das vivências de constelações que realizávamos no fórum antes ou durante a fase de instrução processual. Eram famílias que se deparavam com a possibilidade de ter filhos e irmãos condenados, sujeitos às penas da lei, e que tiveram a oportunidade de participar das constelações promovidas pela Vara Criminal e de Infância e Juventude da Comarca, de modo que puderam sentir na própria vida os efeitos que tal prática promoveu no comportamento de seus entes familiares e na harmonia familiar de modo geral.
Sem que tenha participado pessoalmente das vivências de constelações no fórum, mas a partir do contato direto nas visitas e entrevistas com essas pessoas que lá estiveram, Milena certamente adquiriu alguma experiência e tem algo relevante e único a compartilhar com os leitores.
Além do empenho em ir conferir, em campo, como funcionava a prática sobre a qual pesquisava e como, meses depois, se confirmavam os resultados, Milena mergulhou, ela mesma, no estudo das constelações por meio de cursos e treinamentos pessoais, buscando compreendê-las de forma vivencial e profunda. Assim, não se limitou a tê-las como um objeto de pesquisa acadêmica, mas ousou vivenciá-las, com toda a transformação pessoal que isso implica.
Por isso mesmo, já era esperada a boa qualidade do resultado de sua obra.
Após analisar criticamente a tradição de como se dá o tratamento aos autores de crimes e a falácia da ressocialização, Milena apresenta o paradigma restaurativo, traçando um bem sucedido paralelo entre a Justiça Restaurativa e o uso das constelações familiares como meio de tratar as questões criminais.
Chama a atenção para evidências da disfuncionalidade do sistema penitenciário vigente, em que não apenas é elevadíssimo o índice de reincidência entre os condenados por crimes, como também é gravemente prejudicada a qualidade de vida dos que trabalham no sistema penal, incluindo policiais, delegados, assistentes sociais e funcionários de penitenciárias. O estudo se mostra convincente ao se basear tanto em evidências empíricas[1] quanto em análises filosóficas bem fundamentadas como a de Hanna Arendt, comparando o processo de despersonalização das vítimas de campos de concentração com o desenraizamento humano que caracteriza o cumprimento das penas atualmente, fator responsável pela ineficácia do sistema penal em relação à desejada ressocialização, na medida em que, ao contrário de tratar e promover vínculos com as famílias e a sociedade, tende a eliminá-los ao extremo.
Como alternativa, a autora propõe o uso das constelações familiares, a partir das experiências pioneiras que realizamos em comarcas do interior da Bahia, quando tal abordagem era algo exótico e bastante inusitado (mas sempre com o corajoso apoio do Tribunal de Justiça da Bahia), e que hoje vem se popularizando no meio jurídico. A obra o faz de forma bem fundamentada, apresentando as bases científicas que explicam o funcionamento e o poder com que as constelações auxiliam na transformação de padrões e condutas humanas, com ênfase para os campos de ressonância mórfica, tratados pelo biólogo Rupert Sheldrake, e, é claro, nas descobertas de Bert Hellinger sobre as ordens sistêmicas que, quando não reconhecidas, sujeitam as famílias à repetição de padrões de violência e tragédias, geração após geração.
Com efeito, as constelações vêm se mostrando altamente eficazes em reforçar o vínculo existente entre cada ser humano e suas raízes familiares. Ao participar das vivências de constelações, as pessoas trazem à consciência a força existente no fato de serem exatamente quem são, frutos de toda a história de seu povo e de sua família, reconhecendo a importância de sua verdadeira origem como único caminho para valorizar o ser humano que cada um é.
Desse modo, as constelações e o direito sistêmico trazem um novo significado ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, pois dispensam-se ficções jurídicas que considerem a generalização de todos e valoriza-se a realidade tal como é, com o passado constituído por todas as dificuldades, tragédias, lutas, violência, doenças, mortes, incluindo perpetradores e vítimas, derrotas e vitórias, tudo exatamente como foi na história de cada um. Então tomamos essa realidade não como justificativa para lamentos eternos, mas sim como fonte de força e vida, quando reconhecemos que, tudo aquilo tendo passado, nós estamos vivos, somos vitoriosos e podemos construir o nosso futuro.
Um filho – todo perpetrador ou vítima de crime é um filho – pode, então, olhar para o que passou, com toda a dor, o amor e a força vital contidos nessa história, e tomá-lo no coração, de modo que o coração se expanda e fortaleça quando diz: “de tudo o que passou, sou a vida que segue adiante; tenho em mim a grandeza da dor profunda de meus antepassados e da força que permitiu que a vida vencesse e chegasse até aqui; sinto tudo isso no coração, portanto tenho um grande amor, que recebi dos antepassados junto com a própria vida. Agora reconheço esse grande amor em mim e, com ele, posso honrar todos os que construíram essa história. Em homenagem a eles, faço algo de bom da minha vida! Por mim e pelos que virão”.
Assim, ao contrário do desenraizamento provocado pelo sistema penal retributivo, as constelações e o direito sistêmico auxiliam na busca e reconhecimento do amor próprio, como resultado da conexão com as raízes. E quem encontra e reconhece seu amor próprio pode fazer novas conexões por meio dele, naturalmente reconhecendo também as raízes, a dor e o amor de outras pessoas, desenvolvendo relações mais empáticas e harmônicas.
É uma mudança radical (radical é palavra que, na origem, significa justamente “de raiz”) de paradigma, em se tratando de direito penal. Nossa realidade social pede e necessita desse novo paradigma. E os que se entregam a essa nova forma de olhar e praticar o direito podem sentir, em suas próprias vidas e nos resultados de seu trabalho, que algo novo e belo vem sendo construído.
A proposta da autora vem reforçada com exemplos colhidos de nossas experiências nos fóruns da Bahia e os relatos que publiquei a respeito delas. É uma honra, portanto, ter nosso trabalho experimental visitado, pesquisado e validado cientificamente através deste livro, que, espero, possa servir de inspiração para novos estudos e práticas.
[1] (DISCUSSÃO Sobre os efeitos do aprisionamento em penitenciárias federais Disponível em:
http://www.cjf.jus.br/cjf/noticias/2016-1/junho/discussao-sobre-os-efeitos-do-aprisionamento-em-penitenciarias-federais-encerra-workshop-no-cjf. Acesso em 18 dez. 2017.)